sábado, 3 de abril de 2010

Podcast Episódio 2 - Poemas



Neste segundo episódio do podcast Trovão Tronitruante, Daniel Ruiz, PollyAna e Marcos Norieaga leram seus poemas favoritos e comentaram sobre eles.

Os poemas são:


Só - Edgar Allan Poe (Tradução de Oscar Mendes)


Não fui, na infância, como os outros

e nunca vi como outros viam.

Minhas paixões eu não podia

tirar de fonte igual à deles;

e era outra a origem da tristeza,

e era outro o canto, que acordava

o coração para a alegria.

Tudo o que amei, amei sozinho.

Assim, na minha infância, na alba

da tormentosa vida, ergueu-se,

no bem, no mal, de cada abismo,

a encadear-me, o meu mistério.

Veio dos rios, veio da fonte,

da rubra escarpa da montanha,

do sol, que todo me envolvia

em outonais clarões dourados;

e dos relâmpagos vermelhos

que o céu inteiro incendiavam;

e do trovão, da tempestade,

daquela nuvem que se alteava,

só, no amplo azul do céu puríssimo,

como um demônio, ante meus olhos.




Os Homens Ocos

de T. S. Eliot Traduzido por Ivan Junqueira


“A penny for the Old Guy”

(Um pêni para o Velho Guy)

Nós somos os homens ocos

Os homens empalhados

Uns nos outros amparados

O elmo cheio de nada. Ai de nós!

Nossas vozes dessecadas,

Quando juntos sussurramos,

São quietas e inexpressas

Como o vento na relva seca

Ou pés de ratos sobre cacos

Em nossa adega evaporada

Fôrma sem forma, sombra sem cor

Força paralisada, gesto sem vigor;

Aqueles que atravessaram

De olhos retos, para o outro reino da morte

Nos recordam – se o fazem – não como violentas

Almas danadas, mas apenas

Como os homens ocos

Os homens empalhados.

Traduzido por Ivan Junqueira





Palavra

Sylvia Plath


Golpes,

De machado na madeira,

E os ecos!

Ecos que partem

A galope.

A seiva

Jorra como pranto, como

Água lutando

Para repor seu espelho

sobre a rocha

Que cai e rola,

Crânio branco

Comido pelas ervas.

Anos depois, na estrada,

Encontro

Essas palavras secas e sem rédeas,

Bater de cascos incansável.

Enquanto

Do fundo do poço, estrelas fixas

Decidem uma vida.

translated by Ana Cristina Cesar

(in Escritos da Inglaterra, Ed. Brasiliense, Brazil, 1988, p. 173)





Uma ladainha pela sobrevivência - Audre Lorde


Para aquelas de nós que vivem na beirada

encarando os gumes constantes da decisão

crucial e solitária

para aquelas de nós que não podem se dar ao luxo

dos sonhos passageiros da escolha

que amam na soleira vindo e indo

nas horas entre as alvoradas

olhando no íntimo e pra fora

simultaneamente antes e depois

buscando um agora que possa procriar

futuros

como pão na boca de nossas crianças

pra que os sonhos delas não reflitam

a morte dos nossos;

Para aquelas de nós

que foram marcadas pelo medo

como uma linha tênue no meio de nossas testas

aprendendo a ter medo com o leite de nossas mães

pois por essa arma

essa ilusão de alguma segurança vindoura

os marchantes esperavam nos calar

Pra todas nós

este instante e esta glória

Não esperavam que sobrevivêssemos

E quando o sol nasce nós temos medo

ele pode não durar

quando o sol se põe nós temos medo

ele pode não nascer pela manhã

quando estamos de barriga cheia nós temos medo

de indigestão

quando nossos estômagos estão vazios nós temos medo

nós podemos nunca mais comer novamente

quando somos amadas nós temos medo

o amor vai acabar

quando estamos sozinhas nós temos medo

o amor nunca vai voltar

e quando falamos nós temos medo

nossas palavras não serão ouvidas

nem bem-vindas

mas quando estamos em silêncio

nós ainda temos medo

Então é melhor falar

tendo em mente que

não esperavam que sobrevivêssemos





Dois trechos da Canção de Ver

Manoel de Barros


1 - Por viver muitos anos dentro do mato

moda ave

O menino pegou um olhar de pássaro —

Contraiu visão fontana.

Por forma que ele enxergava as coisas

por igual

como os pássaros enxergam.

As coisas todas inominadas.

Água não era ainda a palavra água.

Pedra não era ainda a palavra pedra.

E tal.

As palavras eram livres de gramáticas e

podiam ficar em qualquer posição.

Por forma que o menino podia inaugurar.

Podia dar às pedras costumes de flor.

6 -Desde sempre parece que ele fora preposto a pássaro.

Mas não tinha preparatórios de uma árvore

Pra merecer no seu corpo ternuras de gorjeios.

Ninguém de nós, na verdade, tinha força de fonte.

Ninguém era início de nada.

A gente pintava nas pedras a voz.

E o que dava santidade às nossas palavras era

a canção do ver!

Trabalho nobre aliás mas sem explicação

Tal como costurar sem agulha e sem pano.

Na verdade na verdade

Os passarinhos que botavam primavera nas palavras.





A OSTRA


A ostra, do tamanho de um seixo mediano, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo recalcitrantemente fechado.

Entretanto, pode-se abri-lo: é preciso então agarrá-la com um pano de prato, usar de uma faca pouco cortante, denteada, fazer várias tentativas. Os dedos curiosos ficam trinchados, as unhas se quebram: é um trabalho grosseiro. Os golpes que lhe são desferidos marcam de círculos brancos seu invólucro, como halos.

No interior encontra-se todo um mundo, de comer e de beber: sob um "firmamento" (propriamente falando) de madrepérola, os céus de cima se encurvam sobre os céus de baixo, para formar nada mais que um charco, um sachê viscoso e verdejante, que flui e reflui para a vista e o olfato, com franjas de renda negra nas bordas.

Por vezes mui raro uma fórmula peroliza em sua goela nácar, e alguém encontra logo com que se adornar.

(Francis Ponge)



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